sábado, 7 de abril de 2012


O amor e a falta dele. 
Amei. Perdi meu amor.
Eu era uma pessoa antes de amar. 
Então, amei. Mas quando amei, eu vivi. Não só vivi, como senti. Senti o que eu nunca imaginei que poderia sentir. Enquanto amei, corri, voei, mergulhei no mais profundo de mim mesma, me tornei quem não sou ou fui quem eu realmente era. Corri até o mais longe, voei até o mais alto, mergulhei até o mais profundo. 
Mas eu mal sabia o que estava por vir.
Perdi meu amor. Depredei-me em meio a hipóteses que nem eu entendia. Fingi estar radiante enquanto sentimentos contrários me corroíam bem atrás do meu sorriso. Provei do choro mais amargo, da raiva contida mais profunda. De um ciúme que eu não sabia da existência. De um sentimento tão grande que eu não sabia nem sentir. Aprendi a mentir.
Mas foi aí, entremeio ao meu desespero, que fui. Protagonizei situações em que me deixei ficar à risca de pessoas que não sabia se confiava. Me conduzi à um lugar tão profundo de mim mesma, capaz de ultrapassar – e muito- daquele de quando amei. Encontrando um terceiro eu, um terceiro complementar, porém que eu nunca imaginei que existiria: um eu mais forte, capaz de passar por decepções frias vindas de pessoas outrora tão calorosas. Compartilhei meus medos com pessoas a quem devo muito hoje. Descobri que eu posso sim ser muito mais, juntar os meus três “eus” – e quantos mais houverem aí dentro- e voltar a viver novamente de um modo diferente, porém igual, desfrutando da experiência de tudo que o amor e a falta dele me proporcionou.

Hospital.
Ela estava infeliz, e não sabia o porquê. Corina um dia levantou, abriu os olhos e percebeu. “Estou infeliz” ela sussurrou para si mesma. Havia conseguido tudo o que queria. Era uma adolescente cheia de dúvidas, não sabia o que queria fazer do futuro. Seus pais lhe aconselhavam medicina, porque lhe daria um futuro feliz e maravilhoso. E assim foi. Corina, querendo ter uma vida maravilhosa, resolveu fazer medicina. Finalmente passou no curso mais complicado, depois de ter se esforçado dois anos para isso. Depois começou a faculdade e ela continuava estudando. Estudou para as provas, para os trabalhos, estudou inclusive para as próprias aulas. Corina estudou para conseguir a residência, e conseguiu, em primeiro lugar. Os seus amigos diziam que ela tinha uma vida perfeita, havia conseguido tudo oque ela queria. Isso enchia seus ouvidos, ela sorria, mas no fundo havia algum sentimento contrário. Corina se formou, e conseguiu uma vaga como psiquiatra no melhor hospital da cidade. Agora era uma mulher bem sucedida, a mais nova médica do hospital. Corina estava sentada numa poltrona gigante, com o ar condicionado ligado no máximo, a sala bem limpa e arrumada. Estava tudo perfeito. Mas será que ela queria tudo aquilo? Corina se sentiu enjoada e saiu da sala para tomar um ar. Saiu da ala da psiquiatria e passou pela ala de cirurgias. Acostumada, porém curiosa, olhava para os rostos dos enfermos que passavam por ela em macas ou em cadeiras de rodas. Todos que a olhavam, até os que não a olhavam, tinham um olhar vago. Como se estivessem em outro mundo. Em um campo de batalha mental, lutavam por sua saúde, lutavam por sua vida, lutavam contra a morte. Isso a abatia, então resolveu dar meia volta e, ao invés de ir para a rua, ir para seu lugar preferido no hospital: a ala da maternidade. Ela queria ter se especializado nisso, mas só de ver um bebê em uma situação de risco de vida, Corina se abatia e chorava como se não houvesse outra solução. Mas, apesar disso, gostava de lá. Era um lugar repleto de esperança em todos os lados. Risos de bebes nos quartos e choros dos partos soavam como música. A alegria dos pais era o toque final dessa melodia. Ah, como ela amava esse lugar. Porém, interrompendo a sinfonia, seu bipe soou: uma nova cliente marcou com urgência para daqui a uns quarenta minutos. Ela deu uma última olhada no local colorido e alegre e passou pela porta. Se havia a antítese morte e vida aqui, ela era muito bem escondida entre toda aquela esperança que pairava no ar. Corina estava agora de frente para toda a ambiguidade escancarada do resto do hospital. Hospital cheira a morte e vida. Soa como morte e vida. Se parece com morte e vida. Sente como morte e vida. Que absurdo, ela não podia ser a única a pensar assim. Ela tinha tudo. Tudo que ela sempre quis. Mas ela nem sabia o que queria. Tinha 26 anos e ainda não tinha ideia do que queria. Ela via seriados demais. Depois que os pais tatuaram medicina na sua testa, ela começou a olhar muitos seriados de médicos legistas, operações e etc. Achava que teria um chefe como o dr. Gregory House. Todo misterioso, que parecia não se importar com ninguém, mas que tinha um bom coração. Ou ela própria poderia ser um House. Mas não era assim. “Sua vida não é um seriado, Corina” ela se dizia. Pegou um café na cafeteira e correu para sua sala. Aquelas dúvidas voltavam para sua cabeça. “Oque eu queria fazer da vida?” “Medicina é o que eu realmente quero?”. Lembrava de seus 15 anos, ela estava igual, regredindo no tempo. Parece que, agora que ela conseguiu tudo pelo que ela lutou, ela percebeu que não era bem isso que ela queria. Abriu a porta da sala e, distraída, começou a ajeitar seu cabelo em frente ao espelhinho do banheiro, nem percebendo a garota sentada na poltrona. Quando saiu do banheiro, passou pela menina sem a perceber e começou a arrumar a sala. A menina, que a observava atentamente, finalmente disse “Por que estás fazendo isso?”. Corina parou e olhou para trás. Uma menina, de mais ou menos 14 anos, a olhava, tinha cabelos loiros que pendiam em seus ombros e olhos azuis, portadores de um olhar singelo e sonhador. Ela lembrou-lhe a ala da maternidade. Demorou alguns segundos até que ela se lembrasse que era sua paciente. Corina riu e disse:
-Oi, você chegou cedo! – A menina sorriu e se desinteressou e, desviando o olhar, disse:
-Não tinha mais nada pra fazer... – Corina olhou a ficha da garota.
- Muito bem, Olívia. Oque te traz aqui? – Ela não sabia muito bem como tratar de uma menina pré adolescente. Não sabia se dava jogos pedagógicos ou conversava. Era muito rara uma paciente “meio termo”. Não sabia também se ela queria estar ali, mas isso era outra história.
- Eu não sei... – disse a menina se distraindo com a janela- e você? Oque te traz aqui?
Corina sorriu – Ora, meus clientes! Mas...
- Ah, não seja boba! Não vens aqui apenas pelos clientes, não é?
- Bom, eu venho sim. Para ajuda-los. Só que para isso, eu preciso saber oque os incomoda...
- Me incomoda ver que você está aqui só por causa de pessoas que não te conhecem, que vem implorando por ajuda e no fim vão embora. Não aparecem mais, apesar de tu ter, quem sabe, salvo a vida delas. Na verdade, eu acho que os médicos tinham que se preocupar mais com eles mesmos, não acha?
- Bom, é que nós estamos aqui para isso... É só isso que te incomoda? Eu? Uma pessoa que você nem conhece direito? – disse Corina, sorrindo
- Mas não estou falando de todos eles, estou falando de ti. Tu querias estar mesmo aqui? – disse a menina se voltando repentinamente para a doutora.
- Bom, sim. Eu lutei muito para chegar onde eu estou... É um emprego que me faz feliz! – mentiu Corina, que foi cortada pela paciente, de novo:
- Me incomodam mentiras também, a você não? Não, você não entendeu! Não perguntei se estás feliz! Perguntei se tu queres estar aqui! Se você gosta disso tudo!
Corina pensou um pouco: apesar do cansaço e das dúvidas que não largavam sua cabeça, ela era feliz mesmo no seu trabalho. Respondeu por fim – Se eu estou feliz aqui...
- Já parou pra pensar que nem sempre oque queremos é o que nos faz feliz?
Corina riu – Mas é claro que é o que nos faz feliz. Vivemos em busca disso.
Foi a vez de Olívia rir, sua risada lembrava da sinfonia da ala da maternidade:
- Não, vivemos seguindo a sociedade. Seguindo o que os outros dizem, seguindo nossos pais... Todos fabricam e aperfeiçoam uma felicidade que não existe, mas a usam como consolo. Existem alguns muitos felizes no mundo, sim, felizes. Eles não foram atrás da felicidade.  E sim, do que eles queriam. Lutaram pelo que eles queriam, não pelo que faziam eles felizes. O que nos faz feliz, pode ser simplesmente comer um doce que gostamos. Estou falando de uma coisa maior, uma coisa que muda tudo. A sua vontade combinada com o que você quer, muda toda uma vida para outro rumo. Por isso te pergunto, é isso mesmo que queres?
Corina ficou um pouco tonta com a resposta da menina. Estava tudo embaralhado, ela não era mais a doutora, era a paciente. A menina de 14 anos era sua doutora.
- Eu não sei...
A menina lhe deu um olhar de quem cuida – Sim, você sabe. É só pensar atrás do que seus pais lhe diziam...
- Na verdade, eu queria ser atriz. Eu fazia teatro na escola e amava tanto aquilo...
Corina estava muito confusa, o que ela estava fazendo. Olívia, com o olhar vencedor, disse – E por que não foi atrás disso?
- Era um emprego incerto e...
- Então você não queria isso... Ou, pensando bem, quem te disse que era incerto?
-Minha família. Eu só precisava de apoio, entende?
Olívia riu – O maior apoio que você pode receber é de você mesma. As pessoas tem um vicio gigante de imaginar o futuro perfeito de alguma pessoa e batalhar o máximo para ser como elas querem, e esquecem até de perguntar se ela quer isso também. Por isso, se é o que você quer, ninguém melhor pra batalhar por isso do que você. Não deve se importar se alguém criticá-lo, porque, afinal, é a pessoa que faz o futuro dela. Ela pode ser, no seu caso, uma ótima atriz com uma carreira invejável, se ela batalhar muito.
Corina, ainda não convencida, torceu o nariz e continuou – Tinha medo de me arrepender no futuro, estragar tudo, quando poderia ter seguido o que os meus pais disseram.
Nervosa, a menina respondeu – Em primeiro lugar, como eu já disse, você não estragaria nada se você quer tanto quanto diz. E também, não podemos nos arrepender do que realmente queremos pois isso define quem você é. Se você voltar atrás agora e seguir seu caminho, pode deixar de ter tudo o que você tem, toda essa felicidade. Mas o gostinho de conseguir o que você sempre quis, não existe igual. – Terminou ela com um olhar sonhador, enquanto encarava a janela.
Uma vontade repentina começou a crescer dentro de Corina. Como se estivesse segura, sem nenhuma dúvida que a perturbasse. Sentiu como se a ala da maternidade estivesse dentro dela. Uma sensação calorosa de esperança reconquistada estava tomando ela mesma. Com um sorriso, virou para a menina e disse – Vou pensar sobre isso...
A menina abriu um sorriso gigante e disse – Faça isso mesmo. Mas começa com calma, né.
Corina agradeceu a menina com um abraço e disse – Mas bem, estamos aqui a meia hora falando apenas sobre mim, vamos falar de ti ag... – O bipe soou novamente, interrompendo-a. Ela sentou na sua cadeira e leu: a sua cliente havia chegado e a aguardava na sala de espera. Ela riu e quando subiu o olhar, a menina de 14 anos, com os olhos azuis singelos e sonhadores e que agora portava um sorriso enorme, não estava mais lá.
Encontros.

Ela caminhava pela rua.
Ela procurava alguém.
“Ora, tu não procura alguém! Tu procura ele!  Seja menos difícil, menina! Olha para todos esses que te apresentei, que se interessaram, qualquer uma estaria realizada com isso!” – sua melhor amiga havia dito a ela a alguns minutos.
 Agora ela caminhava pela rua. Esperava que o vento mexesse em sua mente, refrescasse seus pensamentos.
Ela não era tão difícil assim. Obvio que não. Só que todos esses a quem era apresentada não eram tudo aquilo.
“Meu deus, amiga! Acorda! Eles são lindos, queridos, tem uma conversa boa, um sorriso lindo.. Oque mais tu quer?”
Ela encontra um banco e senta.
Certo, talvez eles fossem sim alguma coisa, quem sabe até algo bem perto de tudo aquilo. Mas tudo aquilo não eram. Não podiam ser.
“Mas esse aí é tudo aquilo e até, quem sabe, mais”
Mais um desses meninos tudo aquilo vinha chegando. Realmente, ele era lindo, tinha um sorriso lindo, um rosto de garoto bem como ela sempre fala que acha uma graça e os olhos dele brilhavam com a luz do sol.
Era apenas mais um daqueles. Mais uma tentativa da amiga.
“Tá, agora vai que tu tem um encontro. Não me decepciona!”
Quanto mais perto ele chegava, maior era o sorriso no seu rosto.
Ela o olhava chegando, e aos poucos, foi vendo uma outra pessoa no lugar dele. Viu o cabelo escuro sem penteado. Viu os olhos castanhos profundos. Viu aquele sorriso brincalhão e as piadas sem graça. Viu o gosto musical estranho, mas que ela gostava demais. Viu aquele olhar que só ela entendia. Viu todo o passado, presente e futuro. Pelo menos, dentro dela. Viu aquele garoto que tinha imperfeições, mas isso o deixava ainda melhor. Ela via... Ela via ele.
Sentiu seu coração bater rápido, seus olhos brilharem e um sorriso bobo brotar em seu rosto. Teve vontade de sair correndo e abraça-lo, mas quando se levantou e olhou novamente para ele, ela viu. Ela viu oque ela não viu. Ele não estava mais lá. Quem estava lá era o garoto mais lindo que ela já tinha visto, com o sorriso de propaganda de pasta de dentes e com os olhos mais bonitos ao sol, caminhando em direção a ela. Mas não era ele.
“Por favor amiga, faz esse favor por ti mesma, dá uma chance pra ti”
Ela tinha visto ele. Mas isso seria impossível. Agora era o outro. Sua cabeça havia dado um nó. E a realidade, um chute. Seus pensamentos estavam enchendo sua mente, estavam transbordando pelos seus olhos e ouvidos. Talvez o vento havia apenas embaralhado todos, ao invés de refresca-los. Estava tudo trocado, ela estava confusa e ficou enjoada. Sentiu vontade de chorar, mas, quando olhou de novo, o garoto tudo aquilo estava parado em sua frente, com um sorriso de orelha a orelha.
Ela via a boca dele se mexer, mas não ouviu nada. Ela queria dar oi ao menino, ser educada. Mas era tudo tão errado. Ela não queria aquilo, ela não queria mentir para si mesma que estava bem quando não estava. Não queria iludir aquele menino. Ela só queria ir embora, deitar na sua cama, pensar um pouco.
“Você pensa demais! De vez em quando, você tem que agir logo, sem pensar!”
A voz da amiga ecoava na mente dela. Como se ela já não estivesse barulhenta demais.
Mas não. Já chega.
Ela agia com o coração antigamente, e foi isso que a levou a ser desse jeito. Agora ela age com a cabeça. Virou para o garoto tudo aquilo e disse claramente “desculpa, não estou me sentindo muito bem.. a gente se fala depois?”
O sorriso do menino desapareceu. Ele concordou com a cabeça e perguntou “você está bem?”
As lágrimas tomaram os olhos dela, que respirou fundo, disse “Não” e saiu andando rápido em direção a sua casa. Mais um ficando pra trás, mais um garoto perfeito perdido, mais uma razão pra sua amiga desistir dela, mais uma confusão na sua cabeça. E tudo isso por causa de o que? De uma ilusão infantil de um garoto idiota que de nada acrescentou na sua vida.
“Você ainda o ama”
Ela tentou engolir o choro e tentou engolir esse fato mais uma vez.
Não conseguiu.
Ela caminhava pela rua.
Ela procurava ele.