segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012


Agora Aurora cansou. Na verdade, cansou faz umas duas semanas. Tirou o telefone do gancho e desconectou o computador de uma maneira que ela não saberia conectar novamente. Mas abriu as cortinas, deixou as cortinas bem abertas. Não se importava mais com o tempo fechado. Não se importava mais com o chão frio, agora andava de pés descalços. Não se importava com mais nada. Só não queria uma única coisa: mais decepções. Bom, se querem realmente saber, Aurora não se importava mais nem com isso – venham, digam o que quiserem, doa o que doer. Só, por favor, se tens algo para falar, fale. Saía para trabalhar cedo, e lá tinha que falsificar sua felicidade. E parecia que ninguém percebia. Bom dia, ela dizia, mas ninguém respondia. Antes dessas duas semanas, Aurora se esforçava, conversava, sorria, encorajava e sempre parecia bem, mesmo estando horrível por dentro. Agora Aurora cansou. Ainda sorria e dava bom dia para não perder o emprego. Encontrava velhos amigos na rua e nem eles pareciam perceber como ela estava por dentro. Seus sapatos machucavam. O chiclete perdia o gosto. O céu estava nublado. Tudo estava errado. Preferia estar em casa, sozinha. Ontem, ela chegou em casa e largou a bolsa pesada no sofá, tirou os sapatos que machucavam e olhou para suas unhas. Havia passado mais um dia e ela esquecera novamente de comprar a acetona, mas ela não se importava mais. Ela mentia para si mesma. Ela mentiu todas as últimas linhas pra vocês. Ela cansou, claro, mas não deixou de se importar. Quando a dor vira mágoa, ela incomoda. Simplesmente incomoda. Irrita, não permite que a esquecemos. Ela olhou para o telefone fora do gancho. Lágrimas incontroláveis vieram a seus olhos, mas ela havia prometido a si mesma não chorar mais. Não por esse vazio que a persegue nos últimos meses. Não por ele. Engole as lágrimas, porém, dentro de si, sente a mágoa irritante. Ela grita. Ela machuca, mais que os sapatos. Talvez não sejam eles que sempre a machucaram, e sim a mágoa. Sente uma vontade incontrolável de gritar, ela pega o travesseiro mais próximo e abafa o grito nele. Não aguentava mais o fato de não ter falado. De ter sido ela quem, talvez, estragou tudo. Ela sabia que tinha que fazer uma coisa, e agora. Seu cérebro gritava para ela não o fazer, mas o lado esquerdo do peito falava calorosamente – vá, é o certo, faça. Ela pegou o telefone. As lágrimas subiram aos seus olhos enquanto ela digitava aqueles oito números, coisa que fazia rindo antigamente. Seu coração disparou quando o outro lado da linha atendeu e falou com a voz que seu ouvido mais desejava ouvir nos últimos meses - Alô. Seu corpo estremeceu, por um minuto pensou em desistir, em desligar, em jogar tudo para o alto e continuar com os sapatos apertados, o chiclete sem gosto e as unhas descascadas até a próxima maré de coragem chegar. Alô? – aquela voz que fazia seu coração disparar disse de novo. Era agora ou nunca e ela não aguentava mais um dia com os sapatos apertados. Era agora.
                                                               “Eu também te amei.”
E desligou. Com lágrimas nos olhos e sem tchau, beijos e até amanha. Sem palavras carinhosas e sinto sua falta. Apesar de tudo, Aurora estava orgulhosa de si mesma. Colocou os chinelos mais confortáveis que tinha, jogou o chiclete fora e foi até a farmácia comprar uma acetona, agora que o sol voltava a surgir.

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